domingo, 25 de maio de 2008

EstAção

O Centro de Fortaleza reserva para além do horário comercial uma porção de "navegadores solitários".
Quando fui convidado por uns amigos para participar do Projeto EstAção, não imaginava como a ação desenvolvida por eles poderia reverberar na estrada.
Confesso que, na primeira vez que fui até a Praça da Estação, estava ancioso por encontrar as pessoas com quem meus amigos interagiam nas noites de sábado à noite.
A idéia é simples: Sanduíches e suco no primeiro momento; e ouvido, atenção, abraços, sorrisos, compaixão... no segundo momento.
Fiquei e ainda fico impressionado com o poder desse gesto!
Quando chegamos na praça, os "navegadores e navegadoras solitári@s" vão aparecendo um por um. São pessoas que não têm nada... nada mais que seus trapos e o ar que respiram! Alguns saem "do sonho feliz e cidade" em busca de trabalho, mas acabam nas ruas. Outros, ao contrário, deixaram tudo e todos para viverem à deriva... São músicos, donas de casa, ministros do evangelho, filhos e filhas rebeldes, velhos que deixam seus lares em busca de algo que lhes complete.
Depois do primeiro encontro passei a reclamar menos lá em casa de "detalhes tão pequenos que eu insistia em tornar grandes demais para esquecer", como chegar da rua, com muito calor, sede e não ter água gelada pra beber. Só o filtro de barro "olhando" pra mim!
Agora, sou invadido por um sentimento que não sei explicar...
Me faltam palavras...
Lembrei de "Moby Dick em Lisboa"!
"Em tempos admirei cegamente estes homens, a sua coragem, o desprendimento com que se deixam ir entre mar e céu, entregues a si próprios e à fortuna que tanto protege os audaciosamente como friamente os elimina. Ainda hoje lhes reservo um canto do coração. Lá uma vez por outra, perde-se o navegador na imensidão dos oceanos. (....) Toda a gente quer ajudar de qualquer maneira, telefonar aos bombeiros ou aos hospitais, arregaçar as mangas. Em espírito vai tudo ao cais ou à praia deitar olhos para o oceano, a ver se aponta a vela. E não se fala noutra coisa. Estas duas palavras (navegador e solitário) estão cheias de tal prestígio que dizê-las ou ouvi-las, é assim como sentir um vento de heroísmo a agitar os cabelos e as gravatas. De um momento para o outro, o mundo fica cheio de heróis sem oportunidade nem emprego. (....) A humanidade sente-se regenerada, humanitária. Este mundo tem coisas. Porque entretanto, e antes, e depois, passam todos os dias ao nosso lado outros navegadores solitários, doentes uns, desafortunados, sem casa nem trabalho, sem alegria, sem esperança – e ninguém atravessa a rua para lhes dizer : « Estás perdido, amigo? Estás perdido ? »
(José Saramago, Moby Dick em Lisboa, Crônica.)

Talvez, todos nós pudéssemos fazer algo que esteja ao nosso alcance!
Um bom começo seria viver os valores da "Nova Cidade Celestial" aqui na Velha Cidade.
Um grande abraço a Tod@s!

3 comentários:

Anso disse...

Olha aí até q valeu o kg de feijão!!
era o + barato + era feijão...

Os valores estaum vindo de alguma forma ou de outra estaum xegando, mesmo aos poucos e de repente aos muitos ainda tenho fé nisso!

Vamos seguir essa estrada...

Thais disse...

É incrível como um projeto, de início despretencioso e sua simplicidade, pode fazer diferença na vida dos que ali colaboram. Talvez por não obter galardão ou sem entender a profundidade e a importância de atitudes como essa em um meio cada vez mais incrédulo e egoísta, ainda existem poucos.
Mas do que colaboração isso chama-se adoração dedicada através do serviço.
Abraço

Wendel Cavalcante disse...

Que bom, Anderson! Isso me enche de esperança!
Thais, obrigadopela visita! Volte sempre!
Abração pra vocês!