Seu pesado segredo.
Seu terrível segredo.
Como é que um segredo assim, Senhor, pode ser carregado
por este garotão com cara de criança, de criança que
envelheceu cedo demais?
Bem gostaria que ele m'o contasse,
Que ele dividisse seu peso comigo.
Há longos meses venho estendendo a mão a este irmãozinho
esmagado.
Avidamente ele apanha esta mão, afaga-a, beija-a... mas por
cima do abismo que nos separa.
Quando quero atrai-lo suavemente, ele recua, pois na outra
mão traz seu segredo, pesado demais para confiá-lo a
mim.
Senhor, ele me dói.
Olho-o de longe e não posso abordá-lo,
Também me olha e não pode abordar-me.
Eu sofro,
Ele sofre ainda mais, e não posso ajudá-lo: curto demais é
meu amor e cada vez que do meu lado lanço uma ponte
para atingir a sua solidão, aponte é pequena demais e
não atinge a outra margem.
Vejo-o , então, à beira de seu sofrimento, hesita, anima-se,
mas volta atrás, desesperado, pois é grande demais à
distância, e o fardo pesa muito.
Ontem, Senhor, ele se inclinou para mim, deixou escapar uma
palavra e depois recuou. Tremeu-lhe o corpo todo à força
do segredo que vinha chegando, mas rolava outra vez,
para o fundo de sua solidão.
Chorar, não chorou, mas tive que enxugar as grandes gotas
de suor que lhe orvalhavam a fronte.
Não posso tomar-lhe esse fardo que é dele; é preciso que ele
consinta.
Vejo-o e não posso apanhá-lo.
Não o queres, Senhor, já que ele não o quer.
Não me cabe o direito de violar seu sofrimento.
Penso , esta noite, Senhor, em todos os isolados, em todos
os que estão sós, horrivelmente sós,
Poque nunca se deram a carregar a ninguém,
Porque nunca se deram a ti, Senhor.
Nos que sabem algo que os outros jamais saberão.
Nos que sofrem de uma chaga que ninguém jamais poderá
tratar.
Nos que sangram por uma ferida que ninguém curará.
Nos que estão marcados por um golpe terrível do qual
ninguém jamais suspeitará.
Nos que armazenam no silêncio horroroso do próprio
coração, searas de humilhações, de desespero, de ódios,
Nos que esconderam um pecado de morte e são túmulo frio de
fachada pintada.
Aterra-me, Senhor, a solidão dos homens.
Todo homem é só, pois é único,
E esta solidão é sacrossanta; só ele pode rompê-la, dizer-se a
um outro e receber o outro.
Só ele pode passar da solidão à comunhão.
E queres, Senhor, esta comunhão, queres que estejamos unidos
uns aos outros.
Apesar dos fundos valos que cavamos entre nós pelo pecado,
Queres que estejamos unidos como estais, o Pai e tu.
Senhor,
Dói-me este garoto, assim como todos os solitários, seus irmãos.
Faze que eu passe pelo Mundo, abertas todas as portas,
Minha casa inteiramente vazia, disponível, acolhedora.
Ajuda-me a sair de minha própria casa para não incomodar
ninguém.
Para que possam entrar os outros, sem pedir nada,
E botar no chão seu fardo sem serem vistos.
E eu, à noite, virei silenciosamente apanhá-lo
e me ajudarás, não é, Senhor, a carregá-lo!
(Michel Quoist, do livro PRIÈRES: Quand Toute la Vie Devient Prière, p. 74-76).
Abração!
Dominus Tecum!
Wendel Cavalcante