sexta-feira, 15 de abril de 2011

PARA TODOS QUE CHORAM

Carta aberta da executiva da Rede FALE sobre as mortes acontecidas na escola Tasso da Silveira em Realengo, Rio de Janeiro.


Chorar é um ato radical, é o clamor da alma. É derramar a mais pura essência do sentimento em gotas cálidas de emoção. Sim, sabemos que alguns choram de alegria, e que elas podem expressar o nascimento de uma criança, porém hoje vertemos lágrimas por pequeninos tiveram suas vidas ceifadas tragicamente.
Não há palavras que traduza o nó na garganta ante a barbárie vivida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro. É inaceitável pensar na ideia de que crianças sejam alvo de tamanha brutalidade. Porém é mais inaceitável ainda que alguém tenha acesso tão fácil a armas e munição.
A transbordante violência acontecida nesse ato louco é tão somente o sintoma de algo que é visto em proporções menores todos os dias. Pessoas de todas as idades morrem cotidianamente em nossas cidades vitimadas por armas de fogo. Muitas dessas armas letais chegam na mão de qualquer um porque ainda há uma grande circulação delas e falta de fiscalização do estado. É comprovado que a presença delas nos lares faz também aumentar grandemente as chances de acidentes, suicídios e homicídios culposos ou mesmo dolosos, em vez de servir como mecanismo de defesa.
Em 2005 (ano do referendo sobre o desarmamento), a Rede FALE mobilizou-se com a campanha FALE PELO DESARMAMENTO que, entre outras reivindicações, pedia a adoção de medidas rigorosas para o controle da produção, importação, exportação e circulação de armas de fogo e munição em nosso país, fiscalizando-se também, com maior eficiência, as empresas de segurança privada e polícias, a fim de serem coibidos os desvios de armamentos para organizações criminosas e a imprescindível proibição do comércio de armas para a população civil.
Na disputa do referendo sobre o comércio de armas, os vencedores coordenaram a campanha do VOTO contrário ao desarmamento, foram bancados pela indústria de armas e deram a falsa ideia de que votar “Sim” seria o mesmo que favorecer os criminosos. Hoje a maioria dos crimes e assassinatos são praticados com armas provenientes do mercado legal, prova cabal de que tal alegação não passava de sofisma.
A Bíblia afirma que Deus enxugará dos olhos todas as lágrimas. Sim, é verdade... Mas muitas dessas lágrimas poderiam ser evitadas! Até quando instrumentos de morte serão fabricados com a desculpa de trazer segurança? Quantas outras vítimas involuntárias irão tombar para que nossa gente tome consciência do poder destrutivo das armas? Quantos “brasileirinhos e brasileirinhas” ainda terão suas vidas tomadas pelo terror que nos cerca enquanto o estado brasileiro teima em não criar políticas públicas que fortaleçam uma cultura de paz?
A Rede FALE se manifesta em favor da vida. Para todos que também choram conosco diante da violência acontecida em Realengo, nossa mensagem é:
Chorar é um estado de alma, é ser plenamente humano e totalmente divino. É um bem espiritual que Deus nos dá. É a capacidade de sentir numa época onde a lógica é ter peito de pedra e coração de latão. Felizes são os que choram, pois deles é o Reino de um Deus que por meio do seu sangue reconcilia toda a sua criação. Queremos convocar todos vocês que orem junto conosco para que nosso país converta “...suas espadas em relhas de arado, e as suas lanças em foices”(Isaías 2:4).

Em Cristo, o Príncipe da paz.



Caio  Marçal – Secretário de Mobilização Nacional da Rede FALE
mobilizacao@fale.org.br
www.fale.org.br
Twitter: @redefale

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Resenha do Livro Direto ao Ponto


Direto ao Ponto: Ensaios sobre Deus e a Vida. Ricardo Gondim, São Paulo, Doxa Produções, 2009, 148 p., esgotado.

Ricardo Gondim Rodrigues é teólogo brasileiro, pastor da Igreja Betesda em São Paulo, presidente do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos – ICEC/SP e conferencista. Também é articulista da Revista Ultimato e mantém o site www.ricardogondim.com.br. É autor premiado e escreveu, dentre outros livros, É Proibido: o que a Bíblia Permite e a Igreja Proíbe (1998); Artesãos de uma Nova História (2001); Eu Creio, Mas Tenho Dúvidas (2007); Sem perder a alma (2008); Missão Integral: em busca de uma identidade evangélica (2009); Deus imerso no sofrimento humano (2010); Pensando fora da caixa (2010).

Ao iniciar o livro com um convite ao debate, não à polêmica, o autor objetiva instigar os leitores à pesquisa, sem pretender dar respostas a todas as questões abordadas nem sistematizar a verdade. A proposta é a de repensar a espiritualidade evangélica e a vida cristã buscando as conexões com a vida real.

No decorrer dos 19 capítulos, temas como a onipotência de Deus, espiritualidade, concepção do conceito de história, milagres, tragédias, fé, dúvida, culpa, pecado, salvação, liberdade, Bíblia, Graça, e que resignificados, formam uma moldura do que o autor chama de “vocação de tornar-se mais humano”, ele inicia uma reflexão a respeito da igreja mercantilizada, que promete “muito mais do que cumpre”, que promete “o bilhete para a vida eterna”, não se preocupando como ensinar as pessoas a viverem o aqui e o agora, numa dimensão existencial, sem desconsiderar o céu.

Expõe, ainda, que viver é uma aventura sem garantias e cita algumas personagens bíblicas que não arredondaram a vida, que não se anteciparam aos acidentes do futuro e nem se blindaram contra as maldades humanas. E neste processo a fé é compreendida como uma coragem existencial, que aposta nos valores do Evangelho e que nos convida a confiar no propósito eterno de Deus (ter filhos e filhas parecidos com Jesus de Nazaré) e no Seu amor gratuito, universal e unilateralmente derramado sobre todas as pessoas, mesmo que falte a fé.

No mundo religioso que explora a culpa das pessoas ao afirmar que todos estão “degredados porque são inerentemente maus, promíscuos e ímpios” e que precisamos ser salvos de nós mesmos, o autor segue na contramão desse pensamento ao dizer que passou a ver “responsabilidade” como a “iniciativa e a capacidade de responder às demandas éticas da vida”, não por “culpa ou medo, mas por reverência à vida, ao próximo e a ele mesmo, acreditando que a auto-implosão da vida não é legítima, uma vez que ela é morada de Deus.

Por acreditar que Deus é um ser livre, que somos dotados de liberdade, uma vez que somos imagem e semelhança dEle e que o “esvaziamento de Deus em Cristo acaba com o paradoxo da onipotência versus liberdade humana”, o autor aponta para um fio de esperança: “ Deus não está nas perguntas sobre sofrimento, mas nas respostas”. Afirma, ainda, que a Bíblia, em sua trama, mostra que a humanidade usou perniciosamente essa liberdade, mas que Ele nunca desistiu da Sua criação e que chama Seus filhos e filhas para se arrependam de suas más escolhas e os convoca a se tornarem artesãos e artesãs de uma nova história, construída a quatro mãos, sendo nós Seus cooperadores e cooperadoras. Neste mundo sedento de esperança, a Bíblia pode tornar-se um “manual de vida, desde que volte a ser o livro de cabeceira que alimenta a vida devocional e o alicerce dos princípios que nortearão as decisões do dia-a-dia”. Ele afirma, ainda, que “santidade se confunde com integridade” e que “salvação, vida eterna foi conquistada na cruz”.

Ao ansiar por uma igreja sem ufanismos, com crentes vivendo de forma singela, com relacionamentos verdadeiros e que anunciem e construam o Reino de Deus, o autor constrói propostas a fim de mantê-las como um horizonte utópico e vocação, onde a espiritualidade seja capaz de gerar homens e mulheres gentis, leais e misericordiosos, capazes de descartarem “qualquer lógica que não se conecte com a vida”, de reciclarem suas expectativas “de viver sem percalços” e de acolherem “o desafio de peregrinar, só peregrinar”.

José Wendel Cavalcante Ferreira
Igreja Betesda no Joaquim Távora
Fortaleza – Ceará.